Quem anda pelo Pelourinho encontra-se habitualmente com um homem, de altura mediana, trajando roupas escuras cobrindo-o da cabeça aos pés. Feito a partir de materiais recicláveis, tendo como principais elementos o couro e o ferro, que chegam a pesar até 10 kg, o traje apresenta Jaime Andrade Almeida, conhecido como Jayme Figura.
Artista plástico nascido em Cruz das Almas que há mais de duas décadas deixa marcas da sua imagem pelo Centro Histórico da cidade de Salvador.
Foi na era Collor, no início dos anos 90, que Jayme Figura surgiu na vida do ilustrador e publicitário Jaime Almeida. Com um emprego formal e bem sucedido, caiu na surpresa do confisco das cadernetas de poupança dos correntistas brasileiros. Limpou a conta e foi demitido de uma agência de comunicação.
“Collor me tirou tudo, fiquei parecendo um mendigo. Foi muito difícil arrumar um emprego, eu tinha o cabelo grande, sou negro e existe muito preconceito”, lembra.
Revoltado, Jayme conta que começou a rasgar as vestes em público em forma de protesto. Foi então que, segundo ele, as pessoas na rua começaram a agir de forma violenta, jogando pedras e atiçando cães para que mordessem suas pernas e agredissem seu corpo.
Como proteção, começou a se cobrir com materiais diversos e resistentes, o que acabou se tornando a solução mais prática, transgredindo os padrões e dando espaço à criatividade e à espiritualidade, sempre atreladas a uma estética, para muitos, um tanto bizarra.
Figura tem um ateliê artístico sombrio, como ele próprio define. Conhecido como sarcófago, fica situado na Ladeira do Carmo, bem próximo à escadaria da Igreja do Paço. Ali ele dorme em um caixão feito à mão em uma das tumbas, nome que costuma dar aos pequenos cômodos que o espaço dispõe. Para ter acesso ao lugar, é preciso subir alguns poucos degraus de uma escada pregada na parede até chegar à cavidade principal. Escuro, quente e inacabado, o labirinto é uma série de buracos e intervenções feitos em um muro do Centro Histórico, despertando a ideia de caos.
Embora cause estranheza e aguce a curiosidade de turistas e crianças, esse homem misterioso é conhecido por quase todo mundo no sobe e desce da ladeira.
“Sou punk rock n’ roll, mas falo com todo mundo, do policial ao dono do bar. Nunca fiz mal a ninguém, nunca desrespeitei a sociedade”, diverte-se.
Além de artista plástico, Jayme Figura tem uma banda chamada The Farpa, onde projeta sua rebeldia em versos críticos à sociedade contemporânea.
Entre sua produção artística, para além da importante resistência através do corpo físico, estão quadros, máscaras e esculturas espalhadas pelo Brasil e pelo mundo afora.
Com os cabelos brancos já teimando em sair por baixo da proteção de ferro que carrega sobre a cabeça, deixando à mostra apenas parte do pescoço, Jayme ostenta seus 60 anos de vida e sete herdeiros de sangue – dentro daqueles trajes já conhecidos por grande parte dos soteropolitanos, existe um civil, pai de família e trabalhador que poucos conhecem.
Não à toa, esse personagem peculiar do Centro Histórico tem livre acesso a toda Salvador, por onde anda arrastando pedaços de ferro e despertando sensações, quando incorpora Jayme Figura. O homem, que um dia desejou a invisibilidade, é sem dúvidas a imagem emblemática das ruas e vielas da Cidade da Bahia.
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