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IEMANJÁ E O CORTEJO DOS PESCADORES




No Rio Vermelho, os dias que antecedem o dois de fevereiro são agitados. Os preparativos para saudar Iemanjá, na data festiva que lhe foi consagrada, começam mais cedo e o bairro, que acabou virando endereço da mãe dos orixás, parece ficar pequeno para tantos devotos que desejam, de alguma maneira, agradar a Rainha do Mar.


Um pouco à frente da Casa do Peso, na Colônia Z1, ao lado do Mercado do Peixe, seu Albergaria, de 66 anos, se vê às voltas com tudo que precisa ser feito. É atribuição dele organizar a festa e o presente daqueles que contam com a proteção da Sereia diariamente para enfrentar os mistérios do mar: os pescadores.


O festejo, realizado há 27 anos, precede o dia dois (geralmente, no domingo anterior) e é montado na Praia da Mariquita pela própria colônia, com música, bebida e a presença das famílias.


“Cada pescador contribui com R$ 50. Eu não peço muito porque eu sei da dificuldade de cada um, mas a gente faz uma festa que custa na faixa de R$ 4 mil, com presente e tudo. A gente dá uma cota para a mãe de santo, para o terreiro, que ela que faz o balaio. O resto, a gente que faz. Pinta a casa, faz comida pra comer no dia. São pessoas comuns, simples. É o que eu gosto”, explica o pescador, que chegou há 24 anos na Z1 e logo conquistou a confiança dos colegas para tomar a frente dos preparativos.


Flores banhadas de alfazema são postas na mesa no centro da colônia, tecidos e chapéus de palha enfeitam as paredes que, junto com o piso, são pintadas para receber os pescadores no dia da festa. Meio dia, o presente deixa o terreiro de Mãe Jacira, em Itinga, e segue o cortejo rumo à Praia da Mariquita, onde, então, é entregue ao mar de Iemanjá.


Longe da badalação do dia dois, seu Albergaria acredita que os pescadores conseguem ter um momento próprio para festejar e agradecer.


“No dia de Iemanjá, o pescador tira pra ganhar um dinheiro, ele não tira pra ficar alegre. Ninguém prestigia ele, não. Ele fica trabalhando, carregando balaio dos outros. Então, resolvemos fazer nossa festa. É uma coisa pequena, mas vem todo mundo”, diz.

Embora a relação com a orixá das águas salgadas seja próxima e diária, nem todos os pescadores são adeptos do candomblé. Seu Albergaria conta que aqueles que se converteram à religião evangélica não contribuem mais com o presente e são resistentes em participar da festa. Ele, que se diz católico, não abre mão dos rituais necessários para fazer o agrado a Iemanjá e frequenta o terreiro de Mãe Jacira como forma de respeito.


“Eu gosto e acho bonito. Algumas coisas eu sigo e gosto. Tenho que tomar banho de folha, passar lá, porque eu faço parte dali, é um respeito. Eu digo logo, antes de vir um pescador pra cá, que aqui é uma casa que tem macumba, pra poder preparar a pessoa. Quando você vem pra cá, você tem que aceitar a norma da casa”.


O ritual também pede que o presente vá ao mar quando o sol estiver baixo.


“Não se entrega o presente no sol quente”, vaticina o pescador.

No final da tarde, Iemanjá recebe o agradecimento em suas águas e os pedidos de proteção.


Mar adentro, em dia de labuta, Seu Albergaria tem a convicção de que não está ali à toa. Sob o amparo da Sereia, o pescador tira seu sustento e vê a água mudar de cor durante a jornada.


“Isso aí não é por nada, não está aí por nada. A gente contempla o mar. Você está vendo essa água aí, da beira? Essa não é a água verdadeira do mar, não. A verdadeira é tão azul, tão azul, que chega é marrom. Cada etapa da nossa viagem, vai mudando de cor. É uma contemplação. Eu agradeço”.

Odoyá!


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