Químico de formação e artista na plena concepção da palavra. Esse é Antônio Carlos Rebouças. Nascido no bairro da Liberdade, Rebouças ganhou nos becos e vielas daquele que é apontado como um dos principais redutos da cultura negra de Salvador, a “régua e compasso” para traçar pelo mundo os contornos da sua arte.
“Minha trajetória profissional se confunde com a minha vida no geral. Sendo um cara negro, é praticamente natural que eu tenha algum tipo de interesse pela cultura afro. Os orixás são bastante presentes em minha obra. Os casarios, que vem de encontro à dificuldade que minha mãe teve para obter a casa própria, as janelinhas que sempre aparecem em minha obra...”, conta o artista que aponta a sua experiência enquanto aluno da antiga Escola Parque, projeto revolucionário do educador baiano Anísio Teixeira, como outro importante elemento para sua formação.
Autodidata, Antônio teve sua trajetória artística iniciada no final dos anos oitenta através da convivência no ateliê do artista, Waldo Robatto, onde descobriu sua vocação. Desde então se dedica à produção dentro do seu ateliê, seja através das suas pinturas ou esculturas.
“Na época da Escola Parque tive meu primeiro contato com a arte. Em paralelo a isso, com 19 anos, eu comecei a trabalhar na Petrobrás na área de química. Em quase trinta anos de artes, eu posso dizer que a arte me deu muito, mas do que eu esperava e pretendia. Sou um químico de origem, trabalhei 28 anos no Pólo Petroquímico e dois na Petrobras, mas acredito que os maiores ganhos que tive em minha vida, cultural principalmente, foi com a arte”, explica Rebouças que coleciona, ao longo das últimas três décadas, participações em salões exposições no Brasil e no Exterior.
“Participei do ano do Brasil na França, em 2005... Tive convite para ser professor visitante em universidade da Europa... Então, para mim, a arte é tudo”.
A Bahia, sua gente, o cotidiano, o povo negro e as divindades de matriz africana são uma das grandes fontes de inspiração do artista que, surpreendentemente ou não, se define com o agnóstico:
“Mesmo sendo um cara agnóstico, eu tenho um profundo respeito pelas religiões de matriz africana. Por isso mesmo, eu faço os orixás. Não faço proselitismo religioso, mas tenho muito respeito pelas religiões de matriz africana. Respeito todas as formas de crença. Pode ser até uma coisa contraditória essa coisa de ser negro e não ter uma religião formatada. Mas faz parte do processo até porque sempre li muito. Tive uma experiência muito boa com a literatura. Cheguei ate a lançar um livro em 1994, um romance”.
“Ainda sobre a questão dos orixás, eu tenho histórias engraçadas e até místicas. Sempre que eu faço uma exposição em que eu coloco orixás acontece de clientes que chegam para comprar e termina comprando vários. Isso é recorrente quando coloco orixás em alguma exposição. Se eu fosse muito místico hein?”, completa.
“Dinâmico e produtivo”, Rebouças ressalta que o período da pandemia foi de intensa produção e com proporcional aceitação da sua obra no mercado. No entanto, ele não deixa de criticar o que ele classifica como “descaso do poder público” em relação ao setor e, sobretudo em amparo aos artistas.
“Produzi muito... Tive uma produção imensa nesses últimos dois anos. Tive também uma aceitação muito grande. As pessoas adquiriram muitas obras. Vendi bem. Não da para quantificar, mas tive uma ascensão profissional muito grande durante a pandemia. Por incrível que pareça. Pode ser contraditório, mas no meu caso não senti muito essa questão do mercado”, explica.
“Temos um problema grave na Bahia que é o descaso do poder público com a arte. Vi algumas leis de incentivo, mas tenho visto o pessoal reclamando muito. Existe algumas exigências e nem todos os artistas se enquadram nelas. Muito acabam ficando de fora. E isso não é somente nas artes plásticas. Estou falando de dança, de teatro, do pessoal que vive de platéia, de vender ingresso... Esses sofreram muito mais. Nesse caso especifico, as artes visuais tem uma facilidade maior. É mais individualista...Tenho um pé atrás com essas leis, pois sempre acabam beneficiando aquela “elitezinha”, pessoas que têm mais acesso à editais...”, acrescenta.
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